Tiririca, o Deputado Mais Votado, Renuncia e Denuncia: “Saio com Vergonha da Política Brasileira”

Tiririca renuncia mandato de deputado federal e se diz envergonhado - Ellen  Nascimento

Tiririca, o Deputado Mais Votado, Renuncia e Denuncia: “Saio com Vergonha da Política Brasileira”

Em um momento raro e de profunda comoção no Congresso Nacional, o deputado federal Francisco Everardo Oliveira Silva, mais conhecido como Tiririca, subiu à tribuna para proferir o que seria, para ele, o primeiro e último discurso. Com a voz embargada e a emoção à flor da pele, o parlamentar que se elegeu com milhões de votos de protesto e esperança anunciou sua decisão de abandonar a vida pública, deixando para trás um rastro de denúncia e um sentimento de traição que ecoa a decepção de milhões de brasileiros.

A fala de Tiririca não foi um mero anúncio de aposentadoria política; foi um libelo amargo contra o sistema, contra a hipocrisia e, sobretudo, contra a desconexão abissal entre o Palácio e o povo. “Eu subo nessa tribuna pela primeira vez e pela última vez, não por morte, porque estou abandonando a vida pública”, declarou, cravando uma estaca no coração da esperança depositada em seu mandato. O seu adeus foi um grito de luto pela política e uma confissão: “Estou saindo triste pra caramba, estou muito chateado, muito chateado mesmo com a nossa política, com o nosso parlamento. Eu, como artista popular que sou e político que estou, chateado”.

A Tristeza do Palhaço e o Abismo Social

O cerne da denúncia de Tiririca reside no abismo social e moral que separa a elite política dos cidadãos que deveriam representar. O deputado, oriundo da arte popular e do circo, usou sua tribuna para confrontar a casta política com uma verdade inegável: a falta de empatia e o desconhecimento da realidade brutal da maioria.

“Peço um pouco para os colegas de trabalho, vamos olhar um pouco o nosso país, vamos esquecer um pouco as brigas… vamos olhar para o nosso povo”, implorou. E em seguida, a acusação se torna pessoal e dolorosa: “Muitos de vocês não sabe o que é passar fome. Muitos de vocês não sabe o que é precisar de um hospital público.”

Em um dos momentos mais emocionantes do discurso, Tiririca expôs sua própria vivência, demonstrando que a mordomia de Brasília não o contaminou a ponto de esquecer suas raízes. Ele revelou que sua mãe, a matriarca do artista popular, não possui plano de saúde e precisou recorrer ao sistema público: “Minha mãe não tem plano de saúde… ela está no hospital público, e graças a Deus, está sendo bem tratada pelos doutores lá.” A ironia é cortante: o deputado mais votado do país, aquele que tem acesso a todas as benesses do cargo, vê sua mãe, uma cidadã comum, na fila do SUS.

A partir de sua experiência, ele roga aos colegas: “Eu quero que vocês… se vocês andarem como eu ando pelo país aí… se vocês verem como é que é o pai de família, o filho pedir comida para o seu pai e seu pai não tem condições porque não tem trabalho, não tem de onde tirar. É triste.”

Dever Cumprido e a Burocracia ‘Louca’

Apesar da decepção generalizada, Tiririca fez questão de frisar que, em seus sete anos de mandato, cumpriu rigorosamente com o seu papel, contrastando sua conduta com a dos colegas que, segundo ele, apenas fazem número. “Eu sou um dos 8. Eu sou um palhaço de circo de profissão, nunca brinquei aqui dentro. Votei de acordo com o povo em todas as votações”, afirmou com a voz firme.

Ele fez questão de detalhar seu trabalho com as emendas parlamentares, um dos principais instrumentos de distribuição de recursos para as cidades, demonstrando um senso de justiça que faltava na Casa. “Eu fui votado em São Paulo todo, eu tento não repetir cidades. Eu não tenho base. Eu mando as emendas de acordo com a necessidade. Cidade que eu tive dez votos, eu mando emenda para lá.”

Essa dedicação ao povo e o voto de acordo com a vontade popular não foi suficiente para mantê-lo na política. A “mecânica” do Congresso, para ele, é doentia: “A mecânica daqui é louca. Eu costumo dizer que o parlamentar trabalha muito e produz pouco.” A máquina é pesada e ineficiente, e o esforço individual, mesmo o de um “palhaço” sério, se perde na engrenagem burocrática e corrupta.

A Chaga da Corrupção e o Preconceito Institucional

O ponto de inflexão na decisão de Tiririca foi, indiscutivelmente, o contato direto e a convivência com a corrupção e o preconceito dentro do próprio parlamento. O deputado, humilde e popular, sofreu ataques em razão de sua origem.

“Ontem mesmo, ao chegar, um colega… colega não, a gente discutiu ali e tudo. Pensei que ele ia me agredir. Depois fui levantar a ficha dele, o cara é mais sujo que pau de galinheiro. Tem mais de cinco processos aí por desvio de dinheiro público. E aí vem falar o quê? Por eu ser um cara humilde, um cara do povo, por respeitar todo mundo”, revelou.

Essa experiência traumática, onde a honestidade e a humildade são atacadas por aqueles que têm a ficha suja, foi a gota d’água que culminou na decisão final. O choque entre a decência e a podridão institucional tornou a permanência insustentável.

Vergonha e Mordomias Escondidas

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Em um arremate final, Tiririca confrontou seus colegas sobre as regalias e a hipocrisia de quem as usufrui. “A gente é bem pago, a gente tira livre 23 mil [reais], se não me engano, livre pra gente. A gente tem apartamento, direito a carro”, disse, expondo os privilégios financeiros.

No entanto, a verdadeira vergonha, para ele, é a moral: “Eu acho que muitos dos senhores não têm essa coragem [de andar de cabeça erguida], até disfarçado de dizer que é parlamentar, porque é uma vergonha. É vergonhoso no total. Não tem gente boa, mas não dá pra fazer muita coisa.”

O medo do julgamento popular é tanto que, segundo ele, há quem esconda a própria identidade: “Eu tenho certeza que eu já vi deputados escondendo por que o povo realmente… isso aqui é uma vergonha.”

Tiririca se despediu com gratidão àqueles que o trataram com respeito, citando especificamente a “galera toda da limpeza, os seguranças na casa, alguns colegas que eu fiz aqui dentro, galera da mesa”. Deixou um abraço e uma promessa: “Eu jamais vou falar mal de vocês em qualquer canto que eu chegar e não vou falar tudo que eu vi, tudo que eu vivi aqui, mas eu seria hipócrita se eu sair daqui e não falasse realmente que tô decepcionado, decepcionado com a política brasileira.”

O palhaço, que outrora fez rir o país inteiro com seu lema “pior não fica”, encerrou seu ciclo político com uma verdade dura: a política brasileira, para ele, atingiu um patamar de vergonha que o fez renunciar, mesmo podendo se reeleger. Ele sai de “cabeça erguida”, mas com a profunda tristeza de quem lutou, produziu, mas se viu derrotado pela “mecânica louca” e pela desonestidade endêmica. Seu discurso não é apenas uma renúncia; é um espelho da desilusão nacional.